A (des)criminalização do aborto pelas vozes do punk: análise comparativa entre o Brasil e a Argentina (1990-1999)

Resumo

Este artigo apresenta uma análise discursiva comparativa da temática da (des)criminalização do aborto presente em uma canção de uma banda de punk argentina e outra de uma brasileira, ambas identificadas com o feminismo nos anos de 1990. Dessa maneira, analisamos as canções Direito ao aborto, da banda brasileira Kaos Klitoriano (1999), e Lady, do grupo argentino Fun People (1997) com base nos conceitos de polifonia (Ducrot, 1984), Aparelhos Ideológicos de Estado (Althusser, 1984) e formações imaginárias (Orlandi, 1999). Também nos apoiaremos em trabalhos desenvolvidos em campos como os da História, da Sociologia e da Filosofia a respeito dos feminismos latino-americanos e dos contextos de redemocratização no Brasil e na Argentina. Notamos que, a partir de um contexto de reabertura democrática recente tanto no Brasil quanto na Argentina – que propiciou o fortalecimento de movimentos de mulheres antes reprimidos pelas ditaduras civil-militares, bem como a troca de conhecimentos sobre os movimentos Riot Grrrl e Anarcofeminista – culminaram na produção de canções sobre a violência de gênero e, mais especificamente, sobre a questão do aborto ao longo da década de 1990. Conclui-se que a busca por retirar a culpa sentida pelas mulheres e deslocá-la ao aparelhamento estatal se apresenta como uma estratégia importante a caminho da defesa dos direitos reprodutivos de jovens sul-americanas que são diretamente afetadas pelo aborto inseguro.